A humanidade dispõe essencialmente de duas maneiras de se livrar de infecções por bactérias. As vacinas, que criam defesas no corpo humano de modo a prevenir a invasão por micróbios específicos, e os antibióticos, que apenas servem como remédio. Isto é, só actuam quando a bactéria já iniciou a invasão.
Há muitas infecções bacterianas, talvez a maioria, para as quais não se justifica ou não é possível desenvolver vacinas e portanto os antibióticos são mesmo a única alternativa. Dito de outra forma, a humanidade está ainda muito dependente dos antibióticos para poder fazer frente às infecções bacterianas.
Aquando das primeiras utilizações de antibióticos, os médicos aperceberam-se logo que algumas bactérias eram naturalmente resistentes. Não era de estranhar. Afinal, os antibióticos eram produzidos na natureza e era bem possível que as bactérias estivessem habituadas a conviver com eles. Tudo fazia sentido. Bastava encontrar novos antibióticos que pudessem matar as bactérias resistentes e a situação estaria controlada. Ao longo de cerca de 50 anos seguiu-se este raciocínio.
Mas não tardou que o cenário começasse a mudar. Cada vez se encontravam menos substâncias naturais com potencial para se transformar num antibiótico de sucesso. Em consequência, a indústria farmacêutica foi perdendo o interesse e entusiamo anteriores. Nos hospitais de todo o mundo, sobretudo na Europa e Estados Unidos da América, cada vez surgiam mais relatos de infecções causadas por bactérias que resistiam a antibióticos, que anteriormente tinham sucesso no tratamento no mesmo tipo de infecções. As consequências do excessivo e incorrecto uso de antibióticos pareciam estar a vir ao de cima. Muito simplesmente, as bactérias tinham reagido aos anos e anos de abuso. No corpo humano, no corpo dos animais ou no de outros animais e no ambiente, foram-se adaptando à vida na presença de antibióticos. No início em minoria, as bactérias que conseguiam resistir a antibióticos começaram a tornar-se cada vez mais abundantes e a dispersar-se no ambiente.
Rapidamente se percebeu que as bactérias faziam passar entre si informação que as tornava resistentes a antibióticos. Aparentemente não eram respeitadas quaisquer fronteiras. Bactérias que viviam no ambiente (por exemplo em água) podiam passar a sua informação para outras que causam doença em humanos. Por outro lado, as resistências mais graves, observadas inicialmente apenas nos hospitais, pareciam escapar-se para o ambiente, a uma velocidade assustadora. A própria globalização e livre circulação de pessoas e bens parecem ter ajudado a espalhar esta praga silenciosa. Perante algumas evidências dadas pela ciência e vividas por pacientes e médicos, começaram a subir de tom os avisos sobre a importância de uma adequada administração e uso dos antibióticos. Mas, mesmo assim, a sociedade parecia viver alheada de um problema que é, de facto, de todos. Para grande alarme das autoridades de saúde pública, em 2010 surgia na Europa, uma bactéria super-resistente a antibióticos. Ao que parecia, ter-se-ia escapado da Índia ou do Paquistão, sendo trazida para a Europa por pessoas que ali se deslocaram para fazer transplantes renais.
Ao longo das últimas décadas o ocidente foi transferindo algumas das suas fábricas de produção de antibióticos para o continente asiático, designadamente para a Índia. Os baixos custos de mão-de-obra e ausência de legislação ambiental, fazem com que naqueles países a produção de antibióticos seja muito mais rentável do ponto de vista económico. Graças a essa ausência de legislação, em alguns rios nas imediações das fábricas, a concentração de antibióticos atinge níveis mais elevados do que os utilizados para tratar uma infecção! Essa mesma água é usada para as pessoas se banharem, cozinharem e beberem. Não seria de admirar se daqui a uns anos surgissem mais algumas bactérias super-resistentes vindas de tais paragens.
Uma coisa parece ser certa, onde houver bactérias (e elas estão praticamente em todo o lado), haverá algumas que são resistentes a antibióticos e estas não hesitarão em mostrar a sua força se forem pressionadas a tal.
Célia Manaia
(Docente e Investigadora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, Porto)
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