‘O algoritmo é que sabe!’
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‘O algoritmo é que sabe!’


Breves reflexões em torno da utilização de sistemas automatizados de decisão em contexto sanitário.



A ‘medicina do futuro’ – e, mormente, a ‘medicina genómica’ – será marcada pela utilização de complexos sistemas de recolha, armazenamento e tratamento em massa de dados pessoais, os quais se integrarão em sistemas automatizados de apoio à tomada de decisão na prática clínica, capazes de auxiliar os médicos na tarefa de diagnóstico e na determinação das medidas preventivas e terapêuticas mais seguras e mais eficazes em cada caso concreto. Estes sistemas funcionarão com base em algoritmos, isto é, num conjunto de regras e operações definidas por equipas altamente especializadas e de composição multidisciplinar que, aplicadas a uma série de dados e num número finito de etapas, conduzem à solução de um específico problema.


Não obstante as evidentes vantagens da utilização de algoritmos neste contexto (facilitando e agilizando o processo decisório, ajudando a diminuir o número de casos de erro em saúde, reduzindo o desperdício de recursos materiais e humanos, etc.), são igualmente variados os seus riscos e ameaças, as quais levantam uma série de desafios a que a Ética e o Direito terão necessariamente de dar resposta. De todos os modos, importa desde já aclarar que a utilização destes sistemas informáticos não deve ser intrinsecamente qualificada como ‘louvável’ ou ‘reprovável’ de um ponto de vista ético-jurídico; em boa verdade, a sua valoração só poderá ser realizada de modo casuístico, considerando as suas concretas aplicações e funções.


Ainda assim, muito se tem escrito sobre a possibilidade de, no futuro, cairmos numa espécie de automatismo crónico na tomada de decisões médicas, mormente passando as mesmas a estar exclusivamente a cargo do sistema informático. A este propósito, vários autores se têm referido a um princípio ético-jurídico do respeito pela recusa em ser tratado por um robô, bem como a um dever de supervisão humana do algoritmo, mormente obrigando à revisão e validação das decisões por este tomadas, assegurando-se a sua adequação ao paciente em concreto. Não fica, no entanto, claro qual o grau mínimo de intervenção humana necessária para assegurar o respeito pelo mesmo.


A este problema junta-se um outro que se prende com a possibilidade de incongruência ou incompatibilidade entre a conclusão a que chega o médico em termos de diagnóstico ou de medidas preventivas ou terapêuticas a aplicar e as soluções avançadas pelo sistema informático. E note-se, este problema é ainda mais grave considerando a tendencial opacidade dos algoritmos, os quais não justificam o porquê de terem decidido de certa forma. Neste contexto, se cremos ser hoje incontestável que o médico tenha, pelo menos, um dever de ter em conta as soluções avançadas pelo sistema informático, não é certo que estas possam substituir o raciocínio clínico e que o médico esteja obrigado a segui-las (sob pena de se colocar em causa o princípio fundamental da liberdade e responsabilidade dos médicos na escolha dos meios de diagnóstico e terapêutica a seguir). Apesar disso, parece-nos razoável que, quando o médico afaste tais soluções em prol do seu próprio julgamento, o mesmo registe as razões da sua decisão no processo clínico e, obviamente, dialogue sobre elas com o doente.


Além de tudo isto, é também razão de preocupação a possibilidade de hipertrofia da autonomia do paciente ou o risco de ‘estratificação’ das pessoas em grupos ou subgrupos de acordo com os seus perfis pessoais, o que poderá conduzir a tratamentos discriminatórios.


Talvez o autor deste escrito esteja, como bem dita o jargão popular, a “colocar a carroça à frente dos bois”, desde logo considerando que o atual estado de desenvolvimento tecnológico ainda não permite uma integração e utilização maciças destes sistemas informáticos em contexto de prática clínica. Tal não reduz, porém, a urgência deste debate, pois é no mesmo que reside a nossa melhor esperança de que as disruptivas mutações tecnológicas no seio do sistema de saúde não implicarão a vulneração dos direitos e liberdades daqueles que fazem parte dele. Neste contexto, o Projeto de Capacitação da Região Centro Para a Medicina Personalizada/de Precisão de Base Genómica, de que temos a honra de fazer parte, pode afirmar-se como um excelente ponto de partida nesse sentido!


*por Eduardo Figueiredo - Centro de Direito Biomédico - Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra



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